Bem vindos ao concelho de Canas de Senhorim
Dispensava escrever este post sobre Canas de Senhorim, terra à qual nada me liga mas que por razões várias tenho vindo a visitar e a conhecer há mais de uma década. O crescente clamor de gente de estudos, repisando o argumento elementar de que uma localidade com 3.500 habitantes não deveria ser elevada a concelho, levou-me a reconsiderar.Não perturba a confortável certeza dos que assim pensam a exigente luta de décadas da generalidade da população de Canas, nem o facto de o novo concelho ter sido votado por um leque partidário que torna inverosímil a hipótese de conluio político (CDS, PSD, PCP-Verdes e Bloco de Esquerda).É óbvio que, em teoria, um pequeno território, com cerca de 3.500 habitantes, de débil economia e carecido de infra-estruturas, não reune condições para a constituição de um concelho. Porém, a elevação de Canas de Senhorim a concelho é hoje a única saída possível para a desastrosa gestão que o poder autárquico de Nelas tem feito deste assunto ao longo de décadas. Canas de Senhorim sempre constituiu um segundo núcleo urbano no concelho de Nelas, com antigos pergaminhos de extinto concelho e uma dinâmica económica e cívica que rivalizava com a actual sede do Município. O encerramento das minas da Urgeiriça e da Companhia dos Fornos Eléctricos abalou a prosperidade de Canas, mas não alterou os dados do problema e serviu até para elevar as expectativas da população em relação à gestão autárquica.A esta realidade deveria Nelas ter correspondido com uma especial atenção que esbatesse tentações autonomistas, tratando equitativamente Canas em matéria de investimentos autárquicos e qualificando a importância da sua ligação a Nelas. A descentralização de serviços municipais de Nelas para Canas, a instalação nessa localidade de alguns equipamentos de âmbito concelhio, o apoio municipal a actividades locais de grande significado identitário, teriam sido algumas medidas relevantes – e possíveis - para a normalização das relações de Canas com a sede do concelho. A cegueira dos responsáveis autárquicos de Nelas ditou-lhes exactamente caminhos opostos. Degradaram ao limite o investimento municipal em Canas de Senhorim. Ignoraram a generalidade dos anseios e das iniciativas da população canense. Numa época de profunda crise de emprego, desviaram todos os investimentos em novas indústrias para a sede do concelho. A falta de infra-estruturas que hoje se invoca como argumento para a inviabilidade do novo concelho, foi deliberadamente criada e serve exactamente o argumento inverso. Responsabilidades que caberiam ao executivo municipal de Nelas, há muito que são asseguradas directamente por instituições da sociedade civil canense. Veja-se o caso da Associação dos Bombeiros Voluntários de Canas de Senhorim, que gere uma biblioteca, um museu local de História e Arqueologia, outros equipamentos sociais e acolhe múltiplas actividades recreativas e culturais...Quando o relacionamento de um território com o poder que o administra se aproxima do conceito de colonialismo, o exercício do direito à autodeterminação das populações é por vezes o único remédio disponível. Em especial quando o sentimento identitário e autonomista se forjou ao longo de décadas. Não foi de ânimo leve que os canenses se compararam a Timor e colocaram na seta indicando Nelas a palavra “Indonésia”. Em teoria, Timor também não reuniria condições para se afirmar como Estado soberano...Foi talvez por isso que a criação do novo concelho de Canas de Senhorim foi aprovada ontem, na generalidade, por uma maioria parlamentar de composição inusitada, da qual só ficou de fora o PS que, aparentemente, ainda não tirou todas as ilacções do caso Felgueiras e continua a subordinar a sua acção política a ditames de caciques locais.Seria bom que a solução extrema dada a este caso servisse de lição a outras “potências coloniais” ao nível do poder local. E que, ultrapassada a fase de criação do novo município, Nelas, Canas de Senhorim e os concelhos limítrofes, encontrassem formas de colaboração que introduzam mais racionalidade, eficácia e justiça na satisfação das necessidades das suas populações.Para já, é de consciência tranquila que adiro à mensagem há muito afixada nas estradas que nos levam a Canas: “Bem vindos ao concelho de Canas de Senhorim”!
posted by Causidicus
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