2 de Agosto de 1982
Lembro-me que a canícula própria da época já era suficiente para classificar como quente o Verão de 1982. Porém nem o dia mais quente de todos os Verões quentes é comparável ao dia 2 de Agosto de 1982. Esse dia ficou eternizado na minha memória e a agitação que se verificou valeu bem a minha ausência no festival de Vilar de Mouros, acontecimento que à época e na minha idade era de presença obrigatória. Posso dizer que desde a corrida desenfreada pela Rua da Estação visando cortar a linha de comboio até ao “assalto” aos correios, passando pela participação em concertações mais ou menos clandestinas e distribuições lácteas aos passageiros bloqueados, estive em todos os palcos onde a acção se desenrolou. Admito que não participei activamente em intervenções que descambaram em escaramuça, como foi o caso dos correios, optando por me proteger da “carga” da GNR correndo para o pátio do Dr. Monteiro e daí, por entre atropelos e encontrões, para o interior da padaria, que acabou por acolher os menos afoitos. Por lá ficámos controlando o melhor que podíamos a adrenalina, entre sorrisos nervosos e exclamações buçais, rogando que a GNR não entrasse por ali adentro. Não entrou, felizmente.A curiosidade desprendeu-nos o medo e lá voltámos à confusão, vaiando a fraca força da GNR que marcava presença no local, provavelmente mais atemorizada que os próprios manifestantes alvo das suas represálias.O grito de indignação que se fez sentir naquele dia era corolário da perda consecutiva não só de direitos e regalias institucionais (CP e CTT), mas também da crescente angústia de um povo que via o futuro da sua terra comprometido, consequência do encerramento dos fornos eléctricos e do fim da exploração das Minas da Urgeiriça. A sensação de abandono e negligência a que Canas e a sua população eram votados despoletaram a revolta que agora se anunciava. Era este o espírito, ou o eco que me ficou da consciência da população que se manifestou temerária no dia 2 de Agosto de 1982.Hoje, passados 24 anos, subsistem as razões que nos levaram à intrepidez daquele dia. O hiato de tempo verificado, independentemente da vontade colectiva demonstrada, não trouxe nada de novo. Se, neste período, Canas sobreviveu aos desaires, às promessas e ao desencanto a que foi sujeita isso deve-se à firmeza de carácter, à grandeza de espírito das suas gentes e à razão e unidade que lhes assiste.2 de Agosto de 1982, de 2006 ou de 2030 tanto faz. O que importa é a vontade e a perseverança que esta data evoca e projecta no futuro como símbolo de um povo renitente e inconformado.
Terça-feira, Agosto 01, 2006
4 comentários:
Eu estava em VMouros roído de inveja por não estar na frente de batalha! Ainda recordo a 1ª página do JN
parabens pela sobriedade e pela bela prosa.
Excelente texto que deveria ser publicado no Jornal Canas de Senhorim
É, é este tipo de textos que o povo de Canas deveriam ler nestes dias. Lembrar o passado.
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