Acreditar e Lutar
O que é isto de ser canense?
por PortugaSuave
O que é isto de ser canense? Li algures (não me lembro do nome do autor do artigo) que transportamos a nostalgia dos tempos em que a nossa vila e os seus habitantes desfrutavam os benefícios e a grandeza que o desenvolvimento tecnológico proporcionou aquando do forte impulso empresarial do início do século e que, a decadência dessa cintura industrial, aliada ao orgulho histórico das nossas origens e do nosso passado, nos inculcou nos genes raízes de insatisfação e arrogância, originando um quadro de frustração e depressão colectiva. Diagnosticada a doença e confirmados os sintomas, restava-nos a terapia da resignação e da sensatez, pois deste mal também padece o país e não há registo da nação andar em arrebatadas convulsões a propósito desta patologia. Ainda acrescentava enfaticamente que o nosso sistema político está dotado de mecanismos próprios, capazes de corrigir as assimetrias que reclamamos, no estrito respeito das instituições e da legalidade democrática.
Quis fazer parecer o autor deste pensamento que sofremos de doença crónica, irreversível e incurável e que deveríamos afinar a nossa compostura pela do país, na passividade dos brandos costumes e do cinzentismo político que trinta e tal anos de democracia não lograram vencer nem colorir.
Lembrei-me logo do país amortalhado na senda do sebastianismo aventureiro e no estigma psicológico que, mesmo inconsciente, porventura ainda nos afecta: Esperar para ver. Morrer sim, mas devagar.
Talvez o articulista tenha razão quanto ao país. Nem o professor Agostinho da Silva na melhor das intenções nos conseguiu animar com os seus delírios sobre o Quinto Império e o seu optimismo quanto ao papel da nossa diáspora. Tudo águas passadas. Já nem poetas e escritores são o que eram. O Pessoa é um deprimido, o Mário de Sá Carneiro um suicida o Lobo Antunes um desiludido e o Saramago um amargo. O fado é o que é e o futebol morre na praia. O país vive ilusoriamente de serviços e a possibilidade da Comunidade Europeia nos salvar há muito foi desaproveitada. A nação está moribunda e nós quedamo-nos expectantes na esperança de dias melhores, mesmo que a espera nos afaste definitivamente dessa quimera.
Ora, como se não bastasse pertencer a esta floresta em declínio orgânico, pretende o articulista que alinhemos no marasmo nacional e nos solidarizemos com o destino da nação, calando reclamações e acatando ditames presidenciais - só faltou o chavão do Estado Novo “A Bem da Nação”.
Pois estão muito enganados aqueles que assim pensam. O espírito canense é exactamente o contrário desse estado atávico que o articulista nos sugere. Ser canense constitui um exercício de entrega diária e reflecte-se na conjugação de esforços para que a nossa terra cresça e se desenvolva de acordo com as legítimas expectativas dos seus cidadão; Ser canense é ser contestatário perante a apatia e a negligência a que fomos sujeitos nos últimos anos. Contrariamente ao que muitos arrogam também é ser paciente:
- Esperar 40 anos pelo tratamento dos resíduos radioactivos provenientes da exploração do urânio;
- Esperar 30 anos por passeios e arruamentos;
- Esperar 10 anos por uma estrada de 5 Km;
- Esperar pelo investimento prometido e eternamente adiado;
- Esperar por subsídios que tardam ou nunca chegam;
- Esperar eternamente pela criação e manutenção de infra-estruturas básicas (rede de esgotos, ETAR, etc.);
- Esperar pelo apoio que as várias associações e colectividades carecem;
- Ser confrontado com políticas orçamentais que só visam o benefício da sede do município, em detrimento do resto do concelho;
- Ser confrontado com orçamentações, desorçamentações e outras manigâncias de tesouraria;
- Ser confrontado com a criação ficcionada de um Carnaval na sede do Concelho, tirado a papel químico do já existente em Canas há 300 anos.
- Conviver por mais de 20 anos com a arrogância e despotismo de um cacique acéfalo;
Muito mais haveria para enumerar e muita paciência tem este povo. E ainda nos aconselham moderação! Podemos não ter conseguido fazer valer os nossos direitos, até pode que o retrato psicológico traçado nos deprima, agora propor que choremos resignados os nossos males numa atitude de solidariedade para com os do país, quando ainda nos assiste a vontade e a vitalidade para mudar e melhorar! Este é que é o verdadeiro sentido de ser canense, acreditar e lutar por um futuro que dignifique as nossas gentes e a nossa terra.
Estamos longe do estado terminal e a nossa terapia será por enquanto a do inconformismo, ainda que nos tenham como arrebatados e insolentes. Cuidados paliativos é que não, muito obrigado.
1 comentário:
...não calarão as pedras!
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