Canas OnLine

31/07/2007

2 de Agosto. Feriado Municipal de Canas de Senhorim



[...] a data fundadora das reivindicações em Canas, referida constantemente nas conversas e celebrada anualmente, é o 2 de Agosto de 1982. Em Março de 1982, o Centro Democrático Social (CDS) tinha apresentado na Assembleia da República um projecto de lei para a criação do concelho de Canas de Senhorim. Tal iniciativa legislativa, institucionalizando politicamente a luta pelo concelho e congregando os diferentes sectores da população de Canas, faria reactivar o processo reivindicativo na localidade. Em Maio desse ano, a Comissão Pró-Criação do Concelho dava uma conferência de imprensa onde apresentava como exigências a criação de um código postal próprio, a paragem dos comboios rápidos, um posto clínico e a subida a discussão na Assembleia da República do projecto apresentado pelo CDS (Jornal de Notícias, 1 de Maio de 1982). Este jornal adoptou, nesta época, uma posição favorável às reivindicações do Movimento de Canas publicando várias notícias que denunciavam as condições deploráveis das infraestruturas na freguesia e enquadrando historicamente a luta pelo concelho (JN, 20 de Maio e 1 de Julho de 1982).
A 30 de Julho de 1982 o projecto de lei do CDS não foi votado na Assembleia da República por falta de quórum. A 2 de Agosto de 1982, a população de Canas concentrou-se junto à estação dos Correios para não deixar sair a correspondência e exigir um código postal próprio. Constatando as pessoas que a correspondência tinha sido retirada antecipadamente, o edifício foi tomado pela população. De forma espontânea decidiram de seguida ir cortar a linha de caminho de ferro. Como salienta o articulista do JN, esta medida tinha um grande impacto devido ao facto de a linha ser internacional e servir como ponto de passagem de muitos emigrantes. Foram retirados mais de 100 metros de carris. Entretanto, a Guarda Nacional Republicana (GNR), aproveitando o facto dos populares estarem concentrados na linha férrea, tinha ocupado o edifício dos CTT. Tocou a sirene e o povo voltou aos Correios. A GNR utilizou a força, resultando 5 feridos entre os populares e alguns guardas feridos sem gravidade. A população retomou o edifício, ficando de piquete. Quando os populares voltaram à linha depararam com a presença do Corpo de Intervenção da GNR. Foi estabelecido um acordo com o comandante da GNR. A polícia não intervinha e as pessoas permaneciam na linha.
No dia seguinte, após reunião com autoridades no Governo Civil de Viseu, o Movimento, em plenário popular, decidiu levantar o bloqueio. Foi também decidido observar, a partir de então, o 2 de Agosto como símbolo do futuro concelho de Canas, contra o feriado municipal de Nelas que se celebra a 24 de Junho (JN, 4 de Agosto de 1982).
A 26 de Setembro de 1982 seria inaugurada uma placa comemorativa do 2 de Agosto. Até à actualidade só por um ano esta data não foi comemorada. A comemoração reveste um carácter popular e solidário, sendo distribuídas sardinhas, vinho e broa gratuitamente a todos os presentes. [...] Mas, mais importante, esta data ficou a marcar na memória colectiva a capacidade de mobilização da população à volta do ideal de restauração do concelho, projectando a luta a nível nacional. Foi a primeira acção violenta no processo reivindicativo do concelho, mostrando a vontade de resistência local às imposições das autoridades concelhias, distritais e nacionais. A comemoração anual dessa data inscrevia na prática a memória da resistência e da solidariedade.

José Manuel de Oliveira Mendes
Uma localidade da Beira em protesto: memória, populismo e democracia

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