Vale de Madeiros, essa bela localidade
Vamos lá ganhar apetite para o jantar. Foi assim que começou o passeio a Vale de Madeiros.
O percurso é campestre, ladeado ora por campos agrícolas ora por agradáveis pinhais. Ao longe, a solidez da Serra da Estrela sob os últimos raios de sol desvenda sombras subtis, contornos singulares dignos de apreciar. A espaços o caminho é flanqueado por ostensivas moradias de inspiração imperial, clássicas no traçado, com colunas, capitéis e arcos, mas modernas na construção, sinais de um novo riquismo emergente. O São Bernardo dá um ar da sua graça ao ver passar os intrusos. Com a indolência que lhe é característica arrasta-se pelo extenso relvado ajardinado, solta o vozeirão em dois breves latidos e recosta-se indiferente. Um cão proporcional à casa, comentamos. Melhor para ele, a serra deve-lhe reconfortar a memória genética, não é como alguns seus congéneres que a única imagem de neve que vislumbram é a do poster suíço na parede da sala, adquirido por 5 euros no Continente da Amadora.
Estamos numa boa época. O rebanho anda atarefado na pastagem, acautelando a míngua que o rigoroso Inverno anuncia. Desta azáfama há-de nascer o famoso queijo da serra. O campo produz fartura, de tal maneira que o fastio já não dá vazão aos frutos que se acumulam no chão. Maçãs, pêssegos, laranjas, marmelos, uvas, abóboras, tudo jaz ao desbarato para inveja do turista de ocasião.
Das hortas brotam todo o género de legumes, couves rechonchudas, portuguesas e galegas, alfaces, espinafres, tomates, leiras de nabiças. É um prazer ver esta terra generosa cumprir a sua dádiva sazonal.
Chegámos à aldeia propriamente dita. Vale de Madeiros é aquela típica aldeia da Beira, casas de granito irmanadas, varandas plantadas de flores, ruas estreitas em piso de paralelos. É bonita, limpa e muito arrumadinha. Já foi dona das águas que deram fama às Termas da Felgueira, facto ainda hoje controverso quanto à divisão administrativa das Caldas da Felgueira. Neste caso não se pode dizer que são águas-passadas, pois Canas de Senhorim nunca digeriu a ganância territorial asnelense. Parece que se vão mudando os marcos conforme as conveniências, ai D. Sancho, D. Sancho que tanta falta cá fazes para repor a verdade da História, mas adiante que Vale de Madeiros é nossa (até ver!)…
As pessoas são simpáticas, metem-se connosco e posam sorridentes para a fotografia. Deviam ir era por este campo fora ver a cova, diz-nos uma senhora, naquele jeito estridente tão peculiar nas mulheres da beira. Estas mulheres são de força e falam alto. Não se deixam intimidar por citadinos que vêm visitar a sua aldeia. Então e o Convento das Freiras, para que lado é que fica, pergunto eu. Não, disso só lá há duas pedras sem jeito nenhum, vão mas é à cova que vale a pena. Já é tarde, vai ter que ficar para a próxima. Pois é pena, arremata.
Esta coisa de convidar o pessoal para a cova ficou-lhes das invasões francesas, pensei eu trocista, sabedor da história dos soldados de Napoleão que foram ludibriados por esta gente e se precipitaram abismo abaixo para gáudio da população. Agora é presença obrigatória para visitante! Qual capela, qual Quinta do Queijo, qual quê! Vão mas é à cova ver do que somos feitos. Mulheres valentes, gente capaz.
Um olhar atento retém uma ou outra curiosidade, como a cruz dos templários que encima o vértice do telhado de uma antiga capela; o detalhe de um varandim onde os gatos acomodam tranquilamente a preguiça; um largo soalheiro no termo da aldeia, orgulhoso do seu humilde cruzeiro; o milho a secar na eira depois de joeirado; os restos ferrugentos da bomba de água. Tudo agradavelmente bucólico.
Aqui e ali, pequenos gestos domésticos denunciam a pacatez rural das suas gentes. O tempo na aldeia parece que corre mais lento, e o mais interessante é que nos contagia, envolve-nos e acalma-nos. Um passeio destes é uma terapia de sucesso garantido para quem sofre da vertigem da cidade. E isto não é nenhuma piada à Cova dos Franceses.
Já é tarde. São seis horas. As pessoas regressam dos campos com produtos hortícolas para a janta. O burro puxa a carroça carregada. Sabe o caminho de cor a custo de tanta viagem, e esta, que o traz de volta à palheira, acelera-lhe a marcha.
Também para nós é hora de jantar. Estugamos o passo à vinda, faz-se tarde e temos à espera uma esmerada açorda de marisco.
O percurso é campestre, ladeado ora por campos agrícolas ora por agradáveis pinhais. Ao longe, a solidez da Serra da Estrela sob os últimos raios de sol desvenda sombras subtis, contornos singulares dignos de apreciar. A espaços o caminho é flanqueado por ostensivas moradias de inspiração imperial, clássicas no traçado, com colunas, capitéis e arcos, mas modernas na construção, sinais de um novo riquismo emergente. O São Bernardo dá um ar da sua graça ao ver passar os intrusos. Com a indolência que lhe é característica arrasta-se pelo extenso relvado ajardinado, solta o vozeirão em dois breves latidos e recosta-se indiferente. Um cão proporcional à casa, comentamos. Melhor para ele, a serra deve-lhe reconfortar a memória genética, não é como alguns seus congéneres que a única imagem de neve que vislumbram é a do poster suíço na parede da sala, adquirido por 5 euros no Continente da Amadora.
Estamos numa boa época. O rebanho anda atarefado na pastagem, acautelando a míngua que o rigoroso Inverno anuncia. Desta azáfama há-de nascer o famoso queijo da serra. O campo produz fartura, de tal maneira que o fastio já não dá vazão aos frutos que se acumulam no chão. Maçãs, pêssegos, laranjas, marmelos, uvas, abóboras, tudo jaz ao desbarato para inveja do turista de ocasião.
Das hortas brotam todo o género de legumes, couves rechonchudas, portuguesas e galegas, alfaces, espinafres, tomates, leiras de nabiças. É um prazer ver esta terra generosa cumprir a sua dádiva sazonal.
Chegámos à aldeia propriamente dita. Vale de Madeiros é aquela típica aldeia da Beira, casas de granito irmanadas, varandas plantadas de flores, ruas estreitas em piso de paralelos. É bonita, limpa e muito arrumadinha. Já foi dona das águas que deram fama às Termas da Felgueira, facto ainda hoje controverso quanto à divisão administrativa das Caldas da Felgueira. Neste caso não se pode dizer que são águas-passadas, pois Canas de Senhorim nunca digeriu a ganância territorial asnelense. Parece que se vão mudando os marcos conforme as conveniências, ai D. Sancho, D. Sancho que tanta falta cá fazes para repor a verdade da História, mas adiante que Vale de Madeiros é nossa (até ver!)…
As pessoas são simpáticas, metem-se connosco e posam sorridentes para a fotografia. Deviam ir era por este campo fora ver a cova, diz-nos uma senhora, naquele jeito estridente tão peculiar nas mulheres da beira. Estas mulheres são de força e falam alto. Não se deixam intimidar por citadinos que vêm visitar a sua aldeia. Então e o Convento das Freiras, para que lado é que fica, pergunto eu. Não, disso só lá há duas pedras sem jeito nenhum, vão mas é à cova que vale a pena. Já é tarde, vai ter que ficar para a próxima. Pois é pena, arremata.
Esta coisa de convidar o pessoal para a cova ficou-lhes das invasões francesas, pensei eu trocista, sabedor da história dos soldados de Napoleão que foram ludibriados por esta gente e se precipitaram abismo abaixo para gáudio da população. Agora é presença obrigatória para visitante! Qual capela, qual Quinta do Queijo, qual quê! Vão mas é à cova ver do que somos feitos. Mulheres valentes, gente capaz.
Um olhar atento retém uma ou outra curiosidade, como a cruz dos templários que encima o vértice do telhado de uma antiga capela; o detalhe de um varandim onde os gatos acomodam tranquilamente a preguiça; um largo soalheiro no termo da aldeia, orgulhoso do seu humilde cruzeiro; o milho a secar na eira depois de joeirado; os restos ferrugentos da bomba de água. Tudo agradavelmente bucólico.
Aqui e ali, pequenos gestos domésticos denunciam a pacatez rural das suas gentes. O tempo na aldeia parece que corre mais lento, e o mais interessante é que nos contagia, envolve-nos e acalma-nos. Um passeio destes é uma terapia de sucesso garantido para quem sofre da vertigem da cidade. E isto não é nenhuma piada à Cova dos Franceses.
Já é tarde. São seis horas. As pessoas regressam dos campos com produtos hortícolas para a janta. O burro puxa a carroça carregada. Sabe o caminho de cor a custo de tanta viagem, e esta, que o traz de volta à palheira, acelera-lhe a marcha.
Também para nós é hora de jantar. Estugamos o passo à vinda, faz-se tarde e temos à espera uma esmerada açorda de marisco.
2 comentários:
Belo passeio PS!
Não foram ao Penedo da Penha?
É importante lembrar que as sub-aproveitadas Termas nasceram "de Vale de Madeiros"
É verdade, não fomos ao Penedo por falta de tempo. Mas havemos de lá voltar e desta vez rumo às "termas de Valde de Madeiros". Vamos ver se não nos falta energia para o regresso, é que é sempre a subir e provavelmente não teremos o incentivo de um belo jantar...
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