Canas OnLine

08/11/2008

Portugueses na República Democrática do Congo

Kinshasa – Paulo Monteiro, 37 anos, chegou ao Zaire, actual República Democrática do Congo (RDC) com apenas um ano. Parte para estudar em Portugal e regressa a Kinshasa para acompanhar a gestão do Hotel Estoril e abrir duas discotecas com o mesmo nome.
Muitos congoleses de Kinshasa, capital da RDC, não sabem onde se encontra a embaixada portuguesa, mas raros são aqueles que não conhecem o hotel, ou a discoteca, Estoril. Dois ícones sobreviventes da actual presença portuguesa na capital congolesa.Instalado num edifício construído em 1930 junto à estação de caminho de ferro, o Hotel Estoril abre as portas em 1982 numa iniciativa de Aurélio Fernandes Monteiro, português de Canas de Senhorim instalado no Congo durante a década de 60. Progressivamente o hotel impõe-se como uma referência. Viveu as piores crises que o ex-Zaire, actual RDC, ultrapassou nos últimos dois decénios, guerras e pilhagens foram por vezes o prato do dia.Em torno de uma genuína sopa Alentejana, com Rui Veloso em música de fundo, prostrados perante um magnífico embondeiro que cresceu no pátio do Hotel Estoril, Paulo, filho de Aurélio Monteiro, não esconde o orgulho quando relata a epopeia dos seus pais no Congo.O português é sua língua materna, mas expressa-se em lingala (língua dominante em Kinshasa) sem dificuldades. Conhece a mentalidade congolesa melhor que a portuguesa, Paulo Monteiro, «Paul» para os congoleses, antigo aluno dos pupilos do exército e do colégio religioso Via Sacra em Viseu, tornou-se numa das referências dos portugueses em Kinshasa.«Os portugueses são muito bem vistos aqui» e «Portugal tem muitas tradições no Congo» afirma Paulo Monteiro que lembra que «há cidades no interior que foram construídas por portugueses, que aí se instalaram, desenvolveram as suas actividades e integraram junto dos congoleses acabando por eleger o Congo como a sua segunda pátria. Já aconteceu, muitas vezes, eu ter alguns problemas com polícias, problemas que se resolvem rapidamente quando dizem: ‘ah! é português!’... eles adoram os portugueses» conta Paulo Monteiro.Em 2001 Paulo Monteiro, juntamente com a sua mãe, proprietária do Hotel Estoril, adquiriram uma parcela à entrada de Kinshasa, Beau Marché, onde construíram uma discoteca, congolesa, que também foi baptizada de «Estoril».O Beau Marché «era apenas um bairro residencial, a cinco minutos do Hotel Estoril e muito perto do centro da cidade, além de ser um ponto de passagem obrigatório de quem vem do aeroporto. Desde que abrimos a discoteca tornou-se num bairro de animação nocturna. Junto à estrada começaram a abrir pequenos bares, esplanadas, pequenos comércios que não existiam. Nós demos vida ao bairro.»«É uma discoteca tipicamente congolesa que também agrada aos europeus porém, estes não gostam muito de sair do centro da cidade, daí que nossa clientela é maioritariamente congolesa» explicou.Perante uma oportunidade que surgiu em 2006, decide adquirir uma segunda discoteca no animado bairro de Bandala, e já pretende abrir outra discoteca no centro da cidade, Gombe, mais adaptada ao gosto dos europeus de Kinshasa. Com formação universitária em engenharia mecânica, Paulo Monteiro apostou também na aquisição e aluguer de camiões, além de ser sócio da empresa de consultadoria Sei-Congo Internacional.Mesmo com toda a actividade empresarial em que Paulo Monteiro está envolvido, a comunidade portuguesa de Kinshasa é uma preocupação permanente, perante a qual não pretende ficar indiferente.Actualmente em decadência a Associação dos Portugueses de Kinshasa, Amicale, que foi gerida temporariamente por Aurélio Monteiro, acabando por ser demitido intempestivamente, encontra-se praticamente inactiva. Paulo Monteiro não esconde que está disposto a assumir a direcção e desenvolver as actividades da Amicale. Já manifestou o interesse, mas não obteve qualquer resposta.A década de 70 foi o período de ouro da Amicale. Com as pilhagens e a guerra, os portugueses foram progressivamente abandonando o país e o papel da associação foi enfraquecendo, «agora não tem dirigentes, não há nada» lamenta Paulo Monteiro que não concorda com a intenção da venda do prédio da Amicale pretendida por alguns membros.A Amicale, tornou-se num reflexo dos problemas e divisões que minam a comunidade portuguesa no Congo. Paulo Monteiro responsabiliza, em parte, a Embaixada portuguesa pela deterioração desta situação. «A Embaixada deveria ajudar mais os portugueses, mas, na minha opinião, algumas pessoas que trabalham lá colocam entraves aos portugueses» critica Paulo Monteiro. «Por exemplo a secretária, Fernanda Ramalheira, uma pessoa que me conhece desde pequeno, é alguém de competente mas, se tem alguma coisa contra os portugueses ou contra alguém, faz os seus próprios grupinhos que obtêm tudo o que querem da Embaixada e os outros simplesmente não existem». O embaixador «acaba indirectamente por ser vítima desta situação, e até talvez não saiba que tal existe» disse Paulo Monteiro.Regressar a Portugal, é uma ideia remota. Paulo Monteiro conhece profundamente a mentalidade, a sociedade e a «lógica» congolesa, e Portugal, além da vivência como estudante, tornou-se o país das férias. No entanto, conseguindo implantar em Portugal ramos de negócios à dimensão daqueles que desenvolveu no Congo, a hipótese de regresso não está excluída.

Rui Neumann in Jornal Digital

3 comentários:

Pombo correio disse...

Mais um Canense a deixar marcas além fronteiras.

Alguém sabe quem é este Senhor?

MANUEL HENRIQUES disse...

Fantástico!!
Os portugueses são de um notável espirito de sobrevivência e adaptação a cenários dificeis.
Não sei de quem se trata.
Há outros canenses ex-imigrantes no Zaire que talvez possam dar umas pistas....

Pombo correio disse...

Bom, investiguei um pouco e segundo se consta, habita ou habitava junto há Capela de São Sebastião, a casa alta em frente às escadaria da porta principal da Capela!
Para já é tudo que consegui saber.