Canas OnLine

03/11/2006

Arq. Francisco Keil do Amaral [II]

A arquitectura doméstica em Keil do Amaral
Casa de Canas de Senhorim

Implantada numa quinta, numa zona marcadamente rural, no interior de Portugal, perto da sua casa de família, a casa de Canas de Senhorim assume-se como um volume compacto amando da terra, onde a rudeza do granito tem particular destaque. Desenhada bem dentro do conceito da arquitectura do "português suave", esta habitação unifamiliar datada de 1944, desenhada ainda nos primeiros anos da sua vida profissional, deixa antever desde já algumas das preocupações que Keil do Amaral explora e desenvolve no desenrolar da sua obra e vida. Se por um lado a ligação ao lugar, a sua implantação e relação com a envolvente se destacam como uma preocupação intrínseca desta obra, essa ligação é enfatizada tornando-se tanto mais forte e notada devido à utilização do granito - pedra da região - sem qualquer tipo de revestimento, o que ajuda a conferir-lhe essa ideia de massa compacta. A preocupação com o detalhe, o desenho minucioso e o cuidado em que todas as partes constituintes da obra - desde o telhado até ao desenho do terreno que a envolve - se transformem num todo coerente e uno, revelam essa atitude de pensar a obra arquitectónica como um todo, onde todas as partes têm o seu espaço e a sua influência, sem nunca penetrarem a esfera reservada a outra parte sob pena de deitar a baixo toda esta atitude projectual. Desenvolvendo-se sobre um rectângulo, esta casa de 2 pisos, das quais se destaca um alpendre que alberga a entrada e funciona como espaço de transição entre o interior e o exterior bem ao jeito wrightiano, mas também numa clara alusão às influências exercidas pela arquitectura popular portuguesa da região que Keil do Amaral conhece e da qual é um admirador crítico. Neste âmbito podemos encontrar nesta obra todos os aspectos defendidos por Raul Lino no que diz respeito à ideia de uma arquitectura nacionalista e que revela uma adaptação dos ideais da arquitectura denominada de "português suave" como sendo o beirado, a janela bem definida, a portada de madeira com corações recortados, o trabalho e motivos do ferro forjado que protege as varandas, o uso de material construtivo autóctone, etc., patentes num contexto de uma atitude crítica em relação à arquitectura popular, e aos seus elementos. Mas a ligação à ideia de nação e de unidade nacional que também revela essa mesquinhez que foi definidora do conceito de "português suave" também está presente na colocação de diversas esferas armilares que conferem à habitação a ideia de estar inserida na ideia de pátria defendida pelo Estado Novo. Talvez o único elemento exterior que sobressai desta aparente calma com que Keil do Amaral parece aceitar o espírito do "português suave" na arquitectura tenha a ver com um conjunto de janelas verticais, colocadas timidamente nas traseiras da casa, que rasgam o alçado numa clara alusão à ideia de janela de Corbusier (livre e rasgando o alçado) e que no seu conjunto quase parecem formar um brise-soleil tão usado pelos modernistas internacionais. Ao nível interior salienta-se que a organização da casa é efectuada através de um espaço distributivo (vulgo hall) que assume um pé direito duplo, de ligação entre os dois pisos da habitação. No térreo estão localizadas as actividades relacionadas com as funções sociais e de serviços e no superior a zona íntima da casa. No entanto, se a sala se abre para a paisagem e para a envolvente através de uma série de portas que ligam a referida zona social com o exterior funcionando o alpendre como espaço de transição, já os quartos e as zonas de serviço têm uma relação com o exterior muito mais controlada e recatada ajudando ao claro assumir desta separação entre estes dois pólos de vivência de uma habitação. O cuidado desenho do telhado e a chaminé de forte presença (mais uma influência de Frank Lloyd Wright) ajudam a dar à casa a tal ideia de uma coisa compacta e una que se nota nesta construção. De realçar também uma construção anexa, que seria a casa dos caseiros que tomariam conta da propriedade, que está suficientemente longe da casa mãe para não a influenciar, mas ao mesmo tempo, suficientemente perto para ser influenciada pelo traço adoptado na habitação principal, estando presente, à sua escala a tal ideia de janelas verticais que se assemelha a um brise-soleil corbusiana, o telhado bem lançado, o granito como material constituinte, etc., em suma o mesmo espírito num mesmo programa mas numa escala muito mais reduzida. Estas duas construções fazem lembrar, e relacionam-se claramente com o espírito "português suave" na medida em que nos transportam para o universo das bem desenhadas e conhecidas escolas primárias, casas do guarda, etc., obras que marcaram e se identificaram com o Estado Novo e a ideia de regime que assolava o país de então.
Textos de : Arq. Pedro Gomes e Arq. Pedro da Silveira

2 comentários:

PortugaSuave disse...

Esta ligação do conceito arquitectónico "português suave" ao Estado Novo é que me apanhou desprevenido. Mas gosto... do conceito.
Cumprimentos

ibotter disse...

Quem é que conhece esta "casa de autor"?