Campanha Eleitoral "ad eternum"
Ainda não compreendo bem porque me deixo afectar tanto quando passo pelas coisas ... haverão concerteza inúmeras pessoas que por aqui passam todos os dias e nem se tocam!
Porque será que sinto que a minha casa não começa nem acaba na porta da Rua?
Não sei se pela idade ... mas milhares de memórias associadas a estes lugares assaltam-me em catadupa ...
Por exemplo, quando se esperava e desesperava pela abertura da passagem de nível, se fechada, à espera do rápido ... então negociavámos insistentemente com os nossos pais, para uma breve ida ao chafariz, matar a sede, quando tão somente o que queríamos era esticar as pernas e aliviar a espera ... eles já fartos, lá permitiam a saída do carro ...
Ou, na época que antecedia o Carnaval, ir espreitar o barracão do Sr. Mário Ferreira, numa louca correria de curiosidade infantil, tentando adivinhar os carros de Carnaval que ali se faziam ( do outro lado da rua ) para no dia seguinte, como se de um enorme privilégio se tratasse, poder dizer aos amigos da escola: "eu já vi um carro", às vezes nem a carcaça o era, mas aquele sentir, aquela importância posta nas palavras, como se fosse um assunto de gente grande ... ou se de um segredo de estado se tratasse!
Ou numa manobra muito mais arriscada, nos abeirássemos dos tanques da feira ( que hoje já não existem) onde habitualmente acampavam pessoas de raça cigana ... só pela inocente curiosidade de apreendermos os seus sinais ... apesar do medo que sentíamos!
Quando o campo da feira estava impregnado de "putos" que jogavam à bola, em pleno gozo da sua liberdade de crianças ou jovens, cansados mas felizes, essa liberdade que não ousamos dar hoje aos nossos filhos!
Quando, no chafariz, sucedia uma escorregadela desprevenida, para glaudio dos comparsas ... mas para o próprio e no Verão sabia que era um regalo ... valia qualquer vexame!
E o jogo lá prosseguia, sem equipamento, sem árbitro, nem espectadores mas com um enorme prazer estampado nas suas caras, apenas interrompido "para ver passar o comboio", era sempre um momento alto!
São estas memórias que me assombram, são estas mesmas que me fazem por vezes sofrer, quando me apercebo do estado das coisas que lhe estão associadas.
Muitas vezes (na época em que ainda não havia água canalizada) especialmente no Verão, não havia água a qualquer a hora ... os cântaros formavam uma fila por ordem de chegada ... frequentemente a água não abundava em quantidade suficiente para os encher a todos ... por vezes faziam-se verdadeiras peregrinações, de chafariz em chafariz...
Havia sempre um, que tinha água até mais tarde ....
Como pode estar tudo como está?
Como posso ficar indiferente?
Como posso considerar que tudo está bem?
Só se não tivesse este sentir...
Só se não vivenciasse estes momentos...
Só se desmemoriasse de vez...
Só se daqui não fosse...
Ou daqui não gostasse...