Canas OnLine

11/07/2005

Razões de uma LUTA

Se já antes havia registo de escritos e de posições contra a situação existente, é após o 25 de Abril de 1974 que as reivindicações para a restauração do concelho se vão acentuar. Em 1975, em pleno processo revolucionário, e após algumas assembleias populares, foi elaborado um caderno reivindicativo e um abaixo-assinado, ambos enviados ao Ministro da Administração Interna. Nesse caderno reivindicativo pode-se ler que, « [...] Apesar da sua ampla participação na economia e no erário nacionais, [Canas] foi, desde sempre, vítima da mais dura opressão e exploração [...]» (Vários, 1975). A acção da Câmara de Nelas era denunciada como explícita na subtracção de infraestruturas à freguesia de Canas de Senhorim, e apelava-se à consagração jurídica da descentralização da administração local. Era fixado um prazo de 90 dias para a obtenção de respostas ao caderno reivindicativo, e, findo este prazo, a assembleia popular de Canas delegaria poderes na Junta de Freguesia para cobrar e aplicar os impostos localmente. Ainda segundo o manifesto, as sedes das grandes empresas que laboravam na freguesia deveriam ser transferidas para Canas, pois «Nelas e Lisboa não podem continuar a colonizar Canas».
Neste documento eram referidos como interlocutores legítimos, para a aplicação das medidas propostas, representantes do povo de Canas livremente eleitos, delegados do governo ou do MFA (Movimento das Forças Armadas), considerando-se impossível qualquer negociação com as autoridades concelhias. Os mentores da acção reivindicativa procuravam projectar a questão da autonomia administrativa de Canas para um plano de relevância nacional, tentando mobilizar as autoridades recentemente constituídas no âmbito do processo revolucionário em curso no país. Faziam-no salientando a larga base operária da população de Canas e o poderio socioeconómico desta localidade no contexto do concelho, do distrito e do país.
Basicamente, os argumentos permanecem na actualidade os mesmos. Em documento constante do "Processo Relativo à Restauração do Concelho de Canas de Senhorim" elaborado pelo Movimento de Restauração do Concelho de Canas de Senhorim (MRCCS) (1999), apela-se para que « [...] deixem de vez Canas de Senhorim ser livre e digna, expurgando-a definitivamente das velhas provocações sob a forma do chamado NEO-COLONIALISMO INTERIOR [no original]». Neste documento, o Movimento propõe também, como forma de contornar os critérios demográficos impostos pela Lei Quadro de Criação de Municípios, dois processos de criação de municípios: pela lei (concelhos quantitativos, urbanos ou administrativos) e pela vontade das populações (qualitativos, rurais ou histórico-municipalistas). São os argumentos apresentados para justificar esta segunda modalidade que me interessa realçar. Eles são justificados pela ideia de interioridade e da necessidade de desenvolvimento socioeconómico equilibrado e sustentado. Assim, para que seja criado um concelho é necessário, segundo o Movimento, existirem condições e estruturas iguais ou semelhantes às do concelho mãe; haver vontade da população, manifestada em vários actos públicos (argumento da representatividade local) e a existência de tradições municipalistas (argumento histórico).
Entre os protestos e reivindicações anteriores e os actuais, emerge contudo uma diferença marcante. Antes eram feitas referências constantes ao facto de Canas ser das freguesias mais populosas e industrializadas do distrito de Viseu, contribuindo para metade do seu produto interno bruto. Actualmente, os documentos do Movimento salientam, após a perda da influência económica no concelho e no distrito, o espírito de progresso e a grande qualificação dos recursos humanos da freguesia de Canas. Considera-se que um dos principais obstáculos ao desenvolvimento de Canas é a necessidade que sentem os trabalhadores qualificados de procurarem emprego fora da freguesia (deslocalização forçada).

José Manuel de Oliveira Mendes
Uma localidade da Beira em protesto: memória, populismo e democracia

http://www.ces.fe.uc.pt/

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