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18/04/2006

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Crónicas da Galinha Riça - O Quintal
Na minha crónica anterior intitulada O Galinheiro contei-vos as aspirações dos meus companheiros e companheiras: Ambicionamos retomar a posse do Quintal e decidir o nosso próprio destino. Pesem embora as minhas reservas, foi constituído para esse efeito o MRQ (Movimento de Restauração do Quintal), liderado pelo galante Luísio.O Quintal estende-se para lá do horizonte que a nossa aguçada visão alcança. Talvez pelo efeito de profundidade que a rede do galinheiro induz ou pela aspiração que a ele temos, imaginamo-lo franco e vasto, opinião que não é partilhada pela maioria dos locatários, que o consideram sua pertença e que o querem uno e indivisível, para dele tirarem proveito próprio. “Openspace”, como lhe chama o frango A., muito dado a anglicanismos, mesmo que incompreendido por alguns que preferem galicismos, não estivessem estes mais próximos da nossa condição de galináceos, simbolicamente associados a nobre e célebre galo, personagem emblemático desse fantástico país que popularizou o conceito de faca na goela, até então reservado à nossa espécie, e num gesto impar de sórdida solidariedade, inventou a guilhotina e democratizou o método.O romântico desejo de tomar posse do Quintal honrava vontades ancestrais. Por capricho gastronómico, um tal de D. Sancho, senhor do território, em breve passagem por este capoeiro no ano de 1196, ousou provar umas tenras frangas nossas antepassadas, e como prova de satisfação e agrado por tais serviços, determinou “erguer marcos para sinal de coito” (assim consta da carta de coito que ratifica a criação das terras de Senhorym). Desde então, os nossos antepassados assumiram-se como legítimos senhores do Quintal e do coito.Porém, com o advento da burguesia, requintaram-se os gostos e não houve peito ou coxas de galinha que evitassem a perda das regalias que o coito proporcionava. Destituído de coito e dos privilégios inerentes, este galinheiro nunca mais foi o mesmo e os seus habitantes, em angústia permanente, ganharam o epíteto de “coitados”. Há quem diga que essa perda teve repercussões na linhagem dos nossos avós e que a crise que a achadiça para aí apregoa é de origem genética: Afecta a prestação dos machos e desespera a receptividade das fêmeas. Embora esta teoria tenha alguma fundamentação empírica, não radica em qualquer estudo científico, pelo que não é reconhecido aos machos qualquer pretexto, desculpa ou justificação que aponte neste sentido.Assim, por volta de 1866, uma nova ordem foi imposta e quem logrou com o facto foi um galinheiro aqui vizinho, que se apossou do Quintal, desenvolveu e modernizou a sua capoeira e submeteu a nossa população a uma escravidão doméstica, confinada, entre redes e taipais, ao vil desígnio da inveja e da cobiça.Contudo em 1974, imbuídos do espírito revolucionário que depôs o Galo Marcelo, e inspirados por desejos incontidos e comportamentos quixotescos, galos e galinhas, frangos e frangas, pitos e pitas, num assomo de amotinação, exigimos o coito de volta, fosse de que maneira fosse. O galo Minhosio, na altura ainda franganote, mas já esclarecido nestes levantamentos subversivos ditou a palavra de ordem - O coito unido jamais será interrompido - Atirámo-nos de bico afiado às redes que nos agrilhoavam, erguemos cristas e bandeiras, movemos moinhos, esgravatámos, esfuracámos, esvoaçámos, defecámos, mas não conseguimos alcançar o coito que tanto ansiávamos. Ansiávamos e ansiamos, porque a esperança aqui da galinhagem é renovada em cada canja onde não marcamos presença e nada nos demove deste merecido propósito.Outras lutas de galos se projectam no longínquo horizonte do Quintal e que os losangos da rede da capoeira deixam entrever... Dessas contendas falarei noutra crónica.Boas bicadas, Riça
chocado porAchadiça @ 2:44 PM

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