Canas OnLine

20/08/2006

[Direito à Restauração]

Concelho de Canas de Senhorim
Boaventura de Sousa Santos- caso de Canas de Senhorim.
Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade
Boaventura de Sousa Santos
João Arriscado Nunes
José Manuel Mendes analisa a luta de uma população local, a de Canas de Senhorim, no Centro de Portugal, pelo direito à restauração de um governo municipal (extinto em 1868) e pelo reconhecimento desse direito pelas instituições políticas nacionais (Presidente da República, Governo, Parlamento), através da mobilização e reconstrução activas de uma memória do seu autogoverno, da denúncia do que consideram ser uma injustiça e de recursos emocionais -como a indignação-, cognitivos -como a evocação de uma tradição municipalista e das características específicas da comunidade - e morais, transformados em recursos para a acção colectiva. Esta inclui formas pacíficas e legais de uso do direito de petição, de manifestação e de protesto, mas também formas não reconhecidas pela lei, que podem ir até a acção violenta ou ao boicote a eleições, e um activo processo de mediatização da luta.

A referência a um passado de lutas contra a opressão e as injustiças contribui para legitimar a radicalidade das acções. A identificação de objectivos e de alvos permite que a articulação dessas formas seja realizada de maneira estratégica. Um recurso fundamental da luta da população de Canas é o forte sentido de uma identidade local, cimentada na sua relação por laços forjados através do trabalho em comum e da família. A identidade local forja-se, ainda, em grande medida, contra as lógicas de divisão e de antagonismo associadas aos partidos políticos, ainda que as relações com estes sejam activamente mobilizadas, quer para a definição identitária pessoal quer a escala nacional e no quadro do Parlamento. Essa identidade local é invocada como fundando a exigência de reconhecimento como cidadãos de pleno direito da República, nomeadamente no que se refere ao direito ao exercício do poder local. Como refere o autor, tanto os «narratemas» que «condensam ou metaforizam o testemunho e a vivência pessoal de uma experiência histórica» como as acções de protesto promovidas localmente são a expressão de tentativas de «reespecificar e de desconstruir, com base no populismo e num igualitarismo radical, os conceitos de liberdade, democracia e poder», a busca de um «reconhecimento pessoal e colectivo», consolidados numa «ideologia solidária, fraterna e familista».
A caracterização dos objectivos políticos, das alianças, da liderança e dos modos de acção do movimento são susceptíveis de introduzir alguma perturbação que se espera fecunda nas tentativas de definição do que é a emancipação social, perante movimentos que põem em causa as divisões convencionais entre direita e esquerda e se organizam em torno da afirmação e reconstrução de uma identidade local, num processo que parece apontar para a existência, no plano local, de um espaço para o exercício da democracia participativa, mas com um risco permanente de recuperação por parte de líderes locais associados aos partidos políticos tradicionais.

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