Canas OnLine

11/05/2007

rio de dor


Viúva de mineiro, Ilda Fernandes, de 78 anos de idade, tem um ar sofrido. E não é para menos: há 18 anos, o marido falecia no hospital de Coimbra com 51 anos, deixando--lhe oito filhos.Não sabe dizer qual possa ter sido a causa da morte do marido, José Ramos, na altura já reformado das minas com 47 contos mensais (cerca de 235 euros). Mas sabe que ele fez quatro intervenções cirúrgicas, a última delas para "lhe tirarem a bexiga", e já não voltou vivo à Urgeiriça.Ilda Fernandes nasceu em Nespereira de Mundão (concelho de Viseu) e trabalhou nas culturas do arroz em Alcácer do Sal, mas isso foi antes de regressar à Beira Alta. Os filhos partiram há muito e só uma filha vive perto da mina. Enumera os destinos: "Um está em Inglaterra, outros em França, uma filha em Setúbal... Vivo sozinha mais Deus". Pagou a sua casa "sem ajudas de ninguém", vai dizendo. "Até fome passei." Hoje conta apenas com a sua pensão de viúva, metade da auferida pelo marido quando estava vivo.O seu rosto aviva-se um pouco quando fala dos tempos de actividade das minas: "À hora de almoço íamos levar a comida aos portões, para eles mandarem aos maridos lá em baixo [nas galerias] e aquilo era um movimento!...". E garante que se vivia melhor nessa época: "Aqui só havia mineiros, mas nós cultivávamos umas terras, porque o salário era baixinho".O médico aconselhou-a a não se fechar em casa, porque "é pior". Por isso, Ilda Fernandes faz um esforço para passear diariamente, descendo as ruas do bairro operário e regressando depois a casa.O semblante volta a fechar-se quando fala do que lhe é dado ver: "Mete aflição ver isto tudo assim, parado". "Isto" são as instalações fechadas e abandonadas das minas. "Isto" é, também, a evocação dos vizinhos que morreram prematuramente de doenças com nomes esquisitos. "Havia o senhor Gaspar, e o senhor Carvalho, que eram mais velhos do que o meu marido."Só o pequeno jardim em frente da casa, bem tratado e com rosas vistosas, contraria o rio de dor e desesperança em que se transformou a vida de Ilda Fernandes. C.P.

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