Canas OnLine

16/08/2007

Nuno Cardoso

"Estou Preocupado com o fecho da Casa do Pessoal da ENU..."
Entrevista de Helena Teixeira da Silva in jn.pt
15.08.07

Chega a Campanhã, muito depois da meia-noite, num comboio vindo de Lisboa. Guarda 25 minutos para a entrevista, antes de entrar em casa.Responde com golos de licor de framboesa. Nuno Cardoso, 36 anos, passou de encenador-promessa a freelancer. Se correr bem, no fim do ano, encenará "Platonov", de Tchekhov.
Demitiu-se do Teatro Nacional S. João (TNSJ) ou deixou de haver lugar para si?
Demiti-me. Dez anos é muito tempo. Precisava seguir em frente.Passa a ser freelancer?Esse anglicanismo é uma maneira simpática de dizer que sou um gajo que tem que se desenrascar.

Era tido como o protegido de Ricardo Pais [director do TNSJ). Ficou sozinho agora?
Nunca fui seu protegido. Admiro muito o trabalho dele. E por mais sorrisos amarelos que isso possa produzir, ele deixa um legado discutível - como o são todos -, mas importante para o Porto.

Sente que perdeu um tacho?
Um tacho nunca deixou ninguém mais pobre [risos].

E o que são as suas encenações um trágico?
As minhas encenações não são trágicas; são cínicas. E, infelizmente, também um bocadinho blazé porque, se calhar, fico encadeado com o exercício de inteligência quando não sou tão inteligente quanto isso.

O TNSJ é apontado como um dos vértices do triângulo de Serralves e da Casa da Música. Imagina-o a completar-se agora com o Teatro Rivoli e o Cinema Batalha?
Não. Não vislumbro qualquer sentido, enquanto equipamento cultural, no Batalha. E o Rivoli é o refém de um terrorista que precisa de ser resgatado sem se negociar com o terrorista.

Tem inveja das regalias de Filipe La Féria no Rivoli?
Não. Tenho inveja de uma vida transparente ou de uma situação que seja explicável. O Rivoli é uma nuvem cinzenta.

O formato das cidades capitais de cultura seduzem-no?
As capitais são, pelos vistos, avisos de morte. São como uma marca que se cola a dizer "Bom dia, você vai ser capital da cultura. Em breve, vai morrer". Veja-se o Porto e Coimbra. Resta saber se, também em Guimarães, vai servir o ressurgimento de uma cultura da desgraça para os revanchistas virem ao de cima.

Que peça escolheria para caracterizar a actual condução política no Porto?
Não consigo encontrar uma peça tão sinistra.

"Uma pessoa define-se pelas suas batalhas". Quais são as suas?
Claro. As minhas são tentar não seguir ideias feitas, nem entrar em clubites. Portugal é um país de clubites - ou estás comigo ou estás contra mim.

Há em si um lado feminino que o leva a curar as neuroses nas compras?
Não sou uma 'fashion victim', mas gosto muito de ir às compras. E de criadores com Paul Smith ou Dries Van Noten. Vivo bem com os paradoxos.

É egocêntrico?Sou. Tive um professor que disse que o meu ego é maior do que a bola de praia da Figueira da Foz.

Nas férias, é um backpacker ou um turista de resort?
Viajo sempre de mochila às costas. Às vezes, não preciso sair do sítio para viajar; outras vezes, preciso ir para o outro lado do mundo para perceber o quão eurocêntrico sou.

É a estrela de Canas de Senhorim?
Não. Isso é uma sobranceria. A estrela é Alfredo Keil, que escreveu "A portuguesa".

Participou nas lutas de Canas a concelho?
Já não vivia lá. Mas agora estou preocupado com o fecho da Casa do Pessoal, onde comecei a ver cinema.

Qual é o ícone televisivo da sua infância?
Se há símbolo é o Vasco Granja. Não tinha paciência para os desenhos polacos e os russos, mas esperava para ver o Coyote e o Beep Beep. Há um ditado taoísta que diz "A juventude é mal empregada nos jovens". Se calhar, a infância é o ponto de nostalgia dos crescidos.

Ficou no 2.º ano de Direito. Quando percebeu que não queria ser advogado?
Na primeira aula, quando um professor disse "Vocês são a elite do país. Espero que se comportem como tal". Descobri que não gostava daquele sítio.

http://jn.sapo.pt/2007/08/15/ultima/
cartaz/20070615rei.htm

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