Canas OnLine

01/09/2008

Excursão á Serra da Estrela - "Impressões" por um Excursionista

Fica em baixo uma cópia integral do primeiro capítulo deste livro escrito por João Miranda de Azevedo e editado em 1916 pelas Oficinas da Ilustração Portugueza.

Nos confins da Beira Alta, quási a igual distância do Mondego e do Dão, encontra-se uma planura ligeiramente acidentada, sobre a qual assenta a antiga vila de Canas de Senhorim. Não é recente a sua fundação. Vestigios de variada espécia, postos a descoberto na parte Nordeste, tais como: alicerces de casas, sepulturas, tijolos, etc., provam uma relativa antiguidade. Mas deixemos a questão arqueológica, que daria margem a um capítulo aliaz interessante, assim como a genealogia.
Estendida na direção Norte Sul, e irregularmente distribuida, acumula as suas casas principalmente junto das estradas.
O escurecido granito beirão, exclusivamente empregado nas construções, imprimir-lhe-hia uma nota agreste e triste, se, a breve trecho não fosse desvanecida pelo alvejar de uma ou outra casa branca, pela verdejante ramaria do arvoredo pitorescamente disseminado nas circumvisinhanças e até no povoado.
Não é possível abranger numa vista geral toda a povoação. Apreciada de longe, apenas resalta á nossa atenção a torre da bela Igreja e um massiço de casas que, ocultando outras aqui e acola permite distinguir o cume dos edifícios mais altos e grandiosos. A visita interna proporcionará ao «touriste» ocasião de observar edifícios importantes, como o Solar Abreu Madeira e outros, um sumptuoso tempo, etc.; dum modo geral, a casaria apresenta uma feição higiénica e moderna, dado o regular pé direito das construções. Possui também digno de menção: Estação Telégrafo Postal, quatro Escolas Primárias belamente instaladas, Farmácia, um grande armazem de Vinhos, bons estabelecimentos comerciaes, casas de hóspedes, garage, alquilaria, etc.
Como prémio da sua privilegiada situação topográfica e não devido a influências políticas que, longe de serem aproveitadas teem sido desprezadas, goza esta antiga vila de óptimas estradas que se cruzam quási ao meio da povoação, ligando-a pelo Nascente com a vila de Nelas de cujo concelho faz parte, pelo Sul com as Calas da Felgueira, pelo Norte com Carvalhal e Vizeu e pelo Poente com a vila do Carregal e Santa Comba; goza além disso do incalculável beneficio da Estação do Caminho de Ferro da Beira Alta.
A índole activa e trabalhadora dos seus despretenciosos habitantes contribuíu eficazmente para a divisão da propriedade - que consídero um bem - para o desaparecimento de antigas casas fidalgas, e nos últimos tempos para a reedificação e construção de casas mais ou menos aparatosas que lhe imprimem um aspecto novo e muito agradável.
Tem uma população bastante grande - quatrocentos e tal fógos - e prevê-se num futuro próximo um regular movimento comercial. E' verdadeiramente produtiva a região.
Nos campos circumvisinhos poderá o visitante observar, além da beleza dos terrenos, uma consideravel fertilidade: Nos lugares baixos cultivam-se com grande proveito: cereais, legumes, fruteiras, etc., e na breve encosta a vinha, cujo produto constitue a principal riqueza da região, tanto pela qualidade como pela quantídade.
Calculam-se em 4:500 hectolitros as vendas anuais edectuadas nesta povoação. O pinheiro, formando a certa distância um vasto circuito, é a arvore predominante, deixando examinar por cima das suas cristas, a Sudeste a Serra da Estrela e a Noroeste o Caramulo.
Canas de Senhorim é a cabeça da freguezia do mesmo nome, que conta cinco povoações algumas quasi tão populosas como Canas. A mais pequena, a uma distancia de cinco quilómetros, é a das Caldas da Felgueira, estancia termal muito concorrida, onde o aquista encontrará, ao lado dum esplendido estabelecimento balnear, um dos melhores hoteis do paiz. Atravessam agora um período de grande desenvolvimento, prometendo nos anos próximos uma extraordinaria frequência, atendendo aos melhoramentos a realisar, que as colocarão ao lado das primeiras estancias do paiz.
A menos de um quilómetro de Canas, ficam as ricas minas de uránio da Urgeiriça, exploradas pela firma Henri Burnay & C.ª. E' digno de minuciosa visita o local, não só por ser aprazível, mas, porque a Companhia aí sustenta em constante actividade máquinas de extracção e trituração do minério, que brevemente tambem iluminarão e ventilarão as minas.
As Caldas da Felgueira e as Minas de Uránio dão á povoação um movimento novo, e constituem lugares dignos de serem visitados por as pessoas que atravessam a região da Beira Alta.

4 comentários:

ibotter disse...

O Professor João Miranda sobrevive na memória de todos os seus alunos como exemplar. Entre eles, o Arq. Gonçalo Byrne que a ele se refere sempre como ” verdadeiro mestre-escola” e referência máxima na sua educação: “O modo como ele transmitia o prazer de desenhar e a arte da caligrafia” [GB ao Jornal CS em 18-04-08].

O Professor João Miranda “lutou” contra a “ocultação” de um passado de quase sete séculos de autonomia: “Quantas horas não passou debruçado sobre livros e documentos - a consulta de alguns dos quais lhe não foi facultada pelo Arquivo Municipal de Nelas (diz nos seus apontamentos), coligindo a história do Concelho de Canas de Senhorim com vista à sua restauração” escreveu a sua filha Mª Helena B. Miranda em 1975.

No seu “amor pela terra natal”, o “mestre” João Miranda, juntou-se ao coro dos “despossuídos” (com panfletos!) na luta pelo Mercado - “que em íntima satisfação viu construído!”- (MHBM), “não devido a influências políticas que, longe de serem aproveitadas teem sido desprezadas” (…)

Obrigado “Tmwk” por desvelar um texto de um dos mais activos “restauracionistas” do Início do século passado numa altura… muito “delicada”.

Tomahock disse...

Não fazia ideia de quem era João Miranda! Numa feliz coincidencia a minha mãe encontrou este livro aqui por casa! E achei bastante curiosa a descrição de Canas em 1916!

MANUEL HENRIQUES disse...

Verdadeiro Serviço Público seria a promoção de uma reedição deste livro. Não acham?

PortugaSuave disse...

Efectivamente já tinha ouvido várias referências ao professor João Miranda e até lido alguns excertos da sua prosa magnífica. Contudo, este livro nunca me tinha chegado. É um testemunho muito interessante sobre o princípio do século passado e demonstra em cada parágrafo o amor e dedicação que o Mestre tinha por Canas. Notória, na breve descrição do Ibotter, é a coragem e a dedicação deste canense, bem como a estima dos seus pupilos.
Este texto é sem dúvida um documento precioso para a história de Canas.
Parabéns Tomhck e cumprim.