Canas OnLine

22/02/2009

O bandido está de volta

por Anjodisa

O espírito desse bandido nascido há mais de 300 anos e que todos os anos ressuscita, após ter sido morto e enterrado no ano anterior, está de volta para infernizar a vida dos canenses. Esse maldito, mais uma vez, vai originar uma carga de trabalhos que conduzem a noites mal dormidas, refeições apressadas, amuos conjugais, enfim, dores de cabeça a mais por causa dum bandalho que, em cada ano, tem um tempo de vida tão curto.

Mas não faz mal. Sempre foi assim e sempre assim será. O desgraçado aparece sempre aos primeiros dias de cada ano e mexe com tudo e todos até ao dia do seu esplendor, a tal terça-feira, quando exige o couro e o cabelo dos canenses, quando aparece na primeira pessoa exibindo toda a sua pujança e toda a sua cagança, consumindo o resto das nossas energias e desfazendo as nossas gargantas. Nunca e em lado algum se viu tal subjugação a um dito soberano, ainda por cima com um reinado que se sabe tão curto. Esse miserável que tantos sentimentos e paixões controversos desperta, essa besta, esse bruto, esse bastardo infiel, esse grande animal, o chifrudo de merda, dá pelo nome de ENTRUDO.

Mas a coisa não fica assim, existe o reverso da moeda. Depois de tudo ele volta a cair que nem um tordo e nós, os canenses, brindamos a isso com um prato recheado de batatas, bacalhau e grelos, regados com um bom azeite e um (???) copo daquele bem bom que estava lá na adega bem encostadinho à parede, guardado para as melhores ocasiões. Após o repasto e a missa de corpo presente, o meliante vai a enterrar, mas, não antes de ser consumido pelo fogo, esturricado e carpido e de rebentar que nem um sapo. Neste caso a vingança serve-se ... bem quente!

Porém, a tradição já não é o que era, esvanece-se no tempo ou então adultera-se. Para prevelecer viva, saudável, rica, é preciso cultivá-la e passar aos mais novos toda a sua história secular duma forma clara, pedagógica, para não se verificarem os atropelos que tem sofrido nos últimos anos. Por exemplo, um "pisão", actualmente, já nem leva pedra nem fio. Os "foliões", na maioria dos casos, limitam-se a acordar as "vítimas", escolhidas a dedo, dando pontapés e socos nas portas para depois as insultarem, chamando-lhes todos os nomes possíveis e imaginários para as fazer "afinar", quase sempre encobertos por um gorro ou cachecol.

Enquanto tudo isto acontece, as associações que produzem e promovem o Carnaval, ano após ano, vão assistindo a estas aberrações duma forma passiva, preocupadas em guerrear-se mutuamente, esquecendo-se de fazer tudo o que esteve na origem da sua fundação: a organização, a promoção e a preservação do Entrudo canense.

Os tempos mudam e, pese o facto da falta de dinheiro e apoios, deve-se tentar acompanhar minimamente essas mudanças para que no futuro próximo o atraso não se torne irremediável. Com a ajuda de todos, o MdCS incluído e, sobretudo com as associações a trabalharem em sintonia, tenho a esperança de que, em breve, serão feitas as reformas necessárias no sentido de assegurar o maior cartaz de Canas de Senhorim e da região.

9 comentários:

®efeneto disse...

Toda a gente sabe que não sou de cá, vim cá ver "a bola" e fiquei. Por esse motivo não tenho o Carnaval enraizado mas admiro e aprecio o esforço e dedicação destas gentes. Quer queiram quer não está-lhe na massa do sangue. Um texto realista daquilo que “vejo” e sei, o colocar o dedo na ferida sem ferir as tradições. Apenas uma palavra. Parabéns.

ibotter disse...

...um velho bandido
e um "escriba" emergente.
Clap!

PortugaSuave disse...

Ora cá temos um excelente retrato do "bruto", depois de achincalhado vai a enterrar, como é da tradição, mas no entretanto os canenses fazem dele a sua festa de eleição.
Como muito bem dizes, os novos tempos tendem a adulterar as tradições desta época... até corremos o risco de as perder: como deitar uma panelada se já ninguém deixa a porta aberta? E os enfarinhanços! Com o prolongar da noite a malta nova fica na cama na segunda de manhã - por mim falo e já não sou novo(lol); Os bailes estão fora de moda e os pisões transformaram-se - salvo raras excepções - em actos de vandalismo; e os mascarados - cada vez menos - e as comadres...
Bem, eu ainda quero acreditar que estes costumes sobrevivam e que o nosso carnaval não se limite ao despique. Eu até propunha que as associações organizassem "brigadas" no terreno que mantivessem vivas estas particularidades que fazem do Carnaval de Canas um caso único no panorama nacional.
Vamos lá então dar vida ao "bicho". Excelente texto de “iniciação” Anjodisa. Venham mais.

Anónimo disse...

ufa que alívio, por momentos, quando li o título do artigo, pensei que era o Zé Corrécio que estava de volta...

Anónimo disse...

anjodisa esqueci-me de dizer o quanto apreciei a prosa, viva o Paço

MANUEL HENRIQUES disse...

Também concordo com o Anjodisa. As tradições mudam porque a sociedade também mudou.

E claro, as associações não se podem dissociar desta evolução, pois são os guardas da tradição. Bem sabemos que não é fácil conciliar a vida profissional com o associativismo mas era importante quer quer o Paço quer o Rossio tivessem pessoas com estas preocupações que justificam o carácter original do nosso "entrudo".

Ana Mafalda disse...

@Anjodisa, magnífico texto ... "ai o bandido" que já nos rouba noites há mais de um mês!

Fico impressionada com o que se diz aqui sobre as tradições, fui vítima de um pisão muito curioso, uma garrafa de coca-cola 1,5 l, o conteúdo era água mais ou menos até meio ... suspensa por um cordão e outro com que a faziam bater na porta.
Fazia um estrondo danado e não estragou nada ... pensei que se caminhava no sentido de "reutilizações civilizacionais"... agora vandalismo NÃO!

Já agora, foi colocado a horas infantis ... para não causar transtorno!
A reacção foi amigável ...
Menos o Dog!!!!

Vê-mo-nos no Carnaval!

Anónimo disse...

Mas o Zé Corrécio está mesmo de volta, o verdadeiro bandido!!!

Anónimo disse...

A posição do Bart Simpson (carro alegórico do Rossio) exprime no sentido figurado a atitude deste face ao conjunto camarário que nos envergonha ... seria absolutamente necessário descer tão baixo??? Sobretudo com uma direcção das mais radicais de sempre??? Andámos com a bandeira na mão (lideraram estes senhores que agora estão nesta direcção) para agora nos baixarmos a este ponto???

" ... pois não nos vendemos por dinheiro algum ..."

Teria havido necessidade de fazer campanha política na marcha? Os foliões do Rossio que pensam disto????

A desorganização nos percursos foi o aspecto mais negativo sem dúvida!
Apetece dizer às comissões pois então desfilem sozinhas com os carros alegóricos ... A "ferranhice" exacerbada ainda provoca mais estragos que os ataques externos ao Carnaval de Canas!

Valeu-nos o tempo!